sábado, 15 de janeiro de 2011

FC Start e a Partida da Morte.


Saudações.
A década de trinta marcou a popularização do futebol na União Soviética. Dezenas de times se inscreviam em ligas para participar dos torneios locais com seus atletas provenientes dos sindicatos, das polícias (incluindo a Polícia Secreta, NKVD) e do Exército Vermelho. Porém, a temporada de 1941 nunca chegou ao seu fim devido à invasão Nazista. Diversos jogadores, então, tiveram que juntar-se ao exército e seguir para a frente de batalha ou juntar-se à defesa civil municipal. Quando a Wehrmacht, as forças armadas nazistas, tomou Kiev muitos dos jogadores do Dínamo de Kiev acabaram encarcerados em campos de prisioneiros, principalmente em Darnitsa. Os que tiveram sorte e escaparam das doenças, da fome, dos campos de trabalho forçado, dos campos de concentração, das execuções aleatórias e foram categorizados como "inofensivos" acabaram libertados e passaram a integrar a população da Kiev ocupada.
E lá estava Mykola Trusevych, ex-goleiro do Dínamo, que retornou a Kiev após ser liberado do Campo Darnitsa. Frente à nova realidade, trabalhando como faxineiro numa padaria, Trusevych descobriu que o gerente do estabelecimento, Iosif Kordik, torcedor do Dínamo e que obteve o cargo graças à origem alemã, pretendia formar um time de futebol pra disputar a liga local. Trusevych, então, saiu atrás de seus ex-companheiros de esporte com uma dura missão: localizar e convencê-los a participar - já que as ligas eram mantidas pelos nazistas que as usavam pra reintroduzir a normalidade às cidades sitiadas. Trusevych acreditava que jogar poderia ajudar a aumentar a moral da população de Kiev e apresentou esse argumento pros seus colegas. Na primavera de 42 Trusevych já tinha localizado e contatado jogadores suficentes para o scratch: oito jogadores ex-Dínamo (Mykola Trusevych, Mikhail Svyridovskiy, Mykola Korotkykh, Oleksiy Klimenko, Fedir Tyutchev, Mikhail Putistin, Ivan Kuzmenko e Makar Goncharenko) e três ex-Locomotiva de Kiev (Vladimir Balakin, Vasil Sukharev e Mikhail Melnyk).
Nascia o FC Start.
No primeiro ano, vestidos de vermelho, o time disputou diversas partidas contra equipes de soldados das guarnições invasoras e venceu todas. Até que o Flakelf, time da Luftwaffe (força aérea nazista) marcou uma revanche para o dia 09 de agosto de 1942, com presença maciça de policiais e tropas alemãs. O árbitro, um oficial da SS, visitou a equipe soviética em seu vestiário, alertando os futebolistas a jogar dentro das regras e, antes da partida, saudar os oponentes com a saudação nazista. Ao entrar em campo, a Start recusou-se a fazer a saudação nazista para os soldados e oficiais de alta patente reunidos no estádio e jogou pra valer, mesmo sabendo que a vitória teria graves consequências. O jogo violento da Flakelf passava despercebido pela arbitragem que marcou o primeiro tento pros alemães mesmo com o goleiro soviético contundido. Kuzmenko empatou com um chute de fora da área e Goncharenko, driblando toda a defesa nazista, desempatou pro Start. Ainda no primeiro tempo os soviéticos marcaram o terceiro e desceram pros vestiários convictos e com o resultado nas mãos.
Lá encontraram outro oficial da SS que disse aos jogadores que os alemães estavam impressionados com a habilidade do time mas que deveriam entender que não poderiam esperar vencer e que, na verdade, deviam pensar nas consequências caso ganhassem a partida.
Mas era tarde demais e, no segundo tempo, cada equipe marcou dois gols, o suficiente para decretar a vitória dos soviéticos. Mas Klimenko, um dos zagueiros do Start, recebeu a bola, driblou a retaguarda alemã e contornou o goleiro. Então, ao invés de deixá-la cruzar a linha do gol, ele virou-se e chutou a bola de volta ao meio-campo. Sem pestanejar o árbitro apitou o fim da partida - antes mesmo dos 90 minutos de jogo.
Em 16 de agosto, na semana seguinte ao jogo contra os alemães, o Start derrotou outro time, o Rukh, novamente, desta vez por 8 a 0. Foi sua última partida. Pouco tempo depois, todos os jogadores da equipe foram presos e torturados pela Gestapo, sob a alegação de que pertenceriam à NKVD. Um dos presos, Mykola Korotkykh, morreu sob tortura. O restante foi enviado ao campo de trabalho de Syrets, onde Ivan Kuzmenko, Oleksey Klimenko e o goleiro Mykola Trusevich foram executados em fevereiro de 1943. Entre os poucos sobreviventes após a guerra estavam Fedir Tyutchev, Mikhail Sviridovskiy e Makar Goncharenko, que se tornaram os responsáveis por propagar na cultura popular soviética a história de sua partida contra os nazistas.


Fonte:
"The Match of Death: Kiev, 9 August 1942", matéria de James Riordan publicada em Soccer & Society, volume 4, edição 1, março de 2003, págs. 87-93

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