quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Terrorismo e Informação


No decorrer da história, as diversas formas de agressão contra um determinado grupo e as instituições que o representam falham ou sucedem em seus objetivos em função da capacidade do agressor em amplificar seus efeitos com o mínimo de recursos. Naturalmente, cada tipo de arranjo ou cada avanço tecnológico oferece a uma sociedade diferentes maneiras de se proteger e de se manter estável, e, na mesma medida, expõe novas brechas e pontos sensíveis capazes de por em risco toda uma ordem. Impossibilitados de enfrentar os invasores bárbaros em campo aberto, a maior parte da população da Europa ocidental passa a organizar-se em feudos independentes e auto-sustentáveis, criando uma nova resistência impossível de ser ameaçada pelos migrantes, mas cuja rigidez e imobilidade fora explorada pelo avanço tecnológico do domínio da pólvora, fato que, dentre outros, acelerou a derrocada do mesmo regime feudal naquela porção do continente. Os arranjos que se sucederam, por sua vez, ofereceram novas resistências e brechas, que, exploradas em situações propícias foram capazes de destruir e criar ordens. O fim da soberania da Igreja Católica em favor da soberania nacional, a guerra de trincheira em favor do Blitzkrieg, a extensão militar pelo número de armas nucleares, todos estes são exemplo de como diferentes arranjos políticos e diferentes avanços tecnológicos determinam quais são as novas regras para ofender ou resistir.

Atualmente, uma forma específica de agressão vem explorando ao máximo a amplitude de seus efeitos com custos relativamente baixos, e, mesmo que suas definições mais vagas possam remontá-la ao fim idade Moderna, é no ‘’auge’’ da Idade Contemporânea que vem encontrando seu potencial máximo. Definitivamente não era de se esperar que um atentado a um feudo por alguém supostamente infeliz com o regime causasse algum efeito significativo sobre os outros feudos, mas uma mistura complexa de elementos fez com que as sociedades rumassem para uma fase extremamente sensível, em que o impacto real de uma ação vai muito além do número de vítimas e da perda em infra-estrutura. E é nesse ambiente que o Terrorismo entra em cena, redesenhando o papel da violência na ordem atual, da mesma forma que o poderio nuclear o fez durante a Guerra Fria.

Fato curioso é que justamente por ter a mídia de massa como uma das tecnologias que proporcionaram uma maior eficiência em seus atos, a face do Terrorismo que é veiculada para a população vem dando margem a inúmeros mal-entendidos. Suas causas confundem-se com suas conseqüências, etnicismos são trocados por nacionalismos, seus objetivos políticos perdem espaço para a exposição sensacionalista, entre outros equívocos que dificultam a tomada de consciência da população sobre esses temas. O que por sua vez da margem à retórica ufanista, à visão da violência como única solução, à discriminação e ao receio infundado entre determinados povos. Curiosamente, estes últimos fatos, que se propõem a atuarem como contra-ataques a atividade terrorista, na verdade amplificam ainda mais seu poder, aumentando a probabilidade de filiação de simpatizantes, uma vez que a hostilidade do resto do mundo os deixa sem outras saídas que não a de cair na retórica oposta, e contribuir para reiniciar o ciclo.

Mas estes equívocos não existem sem fundamentos, são resultantes da imensa complexidade do tema, em que se pode observar que cada novo ato desencadeia novas concepções e teorias a seu respeito. A devolução do uso da violência devastadora e com objetivos políticos para a esfera privada é um desses conceitos relativamente novos, e a tendência que a maioria da população tem de associar esses grupos restritos unicamente a países é uma prova de que o entendimento de conflito ainda está predominantemente nas eras passadas, em que os Estados eram os únicos que determinavam os rumos das agressões políticas, e que a esfera privada se restringia a deter grupos de bandoleiros ou mafiosos.

Atos recentes revelaram também o quão frágil é a segurança nacional, que mesmo capaz de conter exércitos inteiros, não tem mais a certeza de evitar que sua própria infra-estrutura seja utilizada contra aqueles que se propõem a defender. Entretanto, embora o terrorismo com fins político (embora embasado por outros elementos) seja uma ameaça extremamente difícil de lidar, o que dizer dessa prática quando assume fins completamente desligados de qualquer objetivo supostamente racional?

Em março de 1995 na estação Tsukiji em Tóquio, um atentado de estrutura aparentemente comum, baseado em um ataque químico direto, ocultava objetivos que reescreveriam a história dos ataques organizados contra grupos humanos. Longe de mirar um regime específico ou de intimidar uma determinada etnia, seus perpetradores estavam convencidos de que eram os próprios instrumentos do Apocalipse, e que sua função seria a de adiantá-lo o mais rapidamente possível. Embora a negociação com grupos terroristas seja matéria bastante polêmica5, nesse caso específico o Terrorismo revelou sua face inegociável, uma vez que é impossível atender suas demandas, e irremediável, uma vez que não há outro elemento difusor dessas idéias que não a própria liberdade religiosa, conceito este que não pode ser abolido sem que as democracias declarem abertamente a derrota frente ao problema.

Entretanto, pior que não reconhecer a face apolítica de um grupo terrorista como o que liberou gás sarin nos vagões japoneses, é equivocar-se quanto às intenções políticas de outros grupos. Os grupos terroristas pós-modernos estão longe de serem a encarnação da luta de seitas religiosas e de minorias étnicas em favor da liberdade de seus oprimidos, e ainda mais distantes de serem apenas um subproduto do ‘’terrível imperialismo ocidental’’. O fato é que seria bastante ingênuo ignorar os efeitos deste sobre as populações mundiais, mas muito mais ingênuo é buscar no Terrorismo um retrato de luta heróica frente ao opressor do ocidente, reduzindo todo o esforço humano da transformação ao mero extermínio brutal daqueles que o opõem, e quando muito daqueles que sequer tem algo a ver com isso, mas que servem de ‘’matéria-prima’’ para a indústria do terrorismo da mesma forma.

Ainda assim, a lista de tópicos referentes às características peculiares do terrorismo certamente tenderá a crescer à medida que o fenômeno explore novos métodos e exponha objetivos cada vez mais macabros. Decerto que péssimas interpretações estarão a decorrer dessas novas características, uma vez que embora tenhamos cobertura dos fatos em tempo integral, estamos muito distantes de prover com os meios que temos as informações necessárias para que a população seja capaz de formular conceitos sensatos e sólidos acerca das verdadeiras causas e conseqüências. Dessa forma, terroristas perderiam um de suas principais bases para seu bom funcionamento, o ódio de seu inimigo para com qualquer coisa que os remetam, fato responsável pelos níveis crescentes de xenofobia e segregação religiosa.

Em resumo, este ensaio se propôs a elucidar, mesmo que de forma superficial, como os diversos equívocos difundidos na sabedoria (ou falta dela) popular acerca do terrorismo, permite que os líderes se sintam pressionados, ou mesmo o façam por sua própria vontade, a rebaixar-se ao nível de seus adversários. Fato que, de certa forma, apenas atende às intenções dos terroristas, como fora citado acima. Assim, é preciso enxergar que a problemática do Terrorismo não pode ser comparada com um inimigo facilmente visível, e que pode ser derrotado simplesmente com o uso da ‘’espada’’. É mais provável que se pareça com um caminho repleto de armadilhas deixadas por um inimigo fisicamente mais fraco, mas suficientemente inteligente para saber que estará em grande vantagem se sua vítima cair em todas elas.

Os atores que se propuseram a acabar com a ameaça terrorista em nosso mundo, ao ignorar essas armadilhas, estariam, na visão de Sun Tzu, errando ao perder a única parte de uma batalha que é controlável. ‘’O que depende de mim posso fazer, o que depende do inimigo não está em minhas mãos’’, postula o general chinês. Em suma, como ganhar um conflito se aquilo que depende deles está tão difuso e incontrolável quanto aquilo que está nas mãos do inimigo? Definitivamente ainda há muito o que fazer.


Ruptured José

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Comentem, esse é made in Talo da Brabera!

Um comentário:

Hellraiser disse...

Saudações, Ruptured.
Esse é um daqueles textos que devem ser lidos e relidos até que cada situação citada seja bem compreendida e, assim, possam ser assimiladas e suas informações possam ser compreendidas na prática,transformando "informação" em "conhecimento".
Valeu pelo texto.